“Por que você não trouxe ele antes?”. A frase que ecoa na mente de Carla Cristina de Marins, 22, foi dita por uma médica após ela ter travado uma luta judicial de quase três meses contra o Sistema Único de Saúde (SUS) pela transferência do filho para um hospital com a estrutura necessária para o tratamento do bebê. Com o pequeno de 3 meses agonizando no colo, o diálogo finalizou com um seco “complicado, né, mãe?”, vindo da profissional de saúde, com a conclusão de não haver mais o que fazer. O fim da vida de Pedro Lucca, alguns dias depois, não é um caso isolado. Ele compõe um universo de 898,4 mil mortes classificadas como “evitáveis” ocorridas em Minas Gerais, em dez anos, o equivalente a quase 90 mil por ano. A falta de oportunidade de realizar um tratamento possível matou cerca de cinco vezes mais no Estado do que a pandemia de Covid-19, que foi a maior crise sanitária enfrentada no século, com 65,9 mil perdas humanas em 3 anos e 8 meses, desde que ocorreu o primeiro óbito de coronavírus no Estado.
Desde a primeira morte por Covid em Minas, já se passaram 44 meses. Ou seja, são menos de dois óbitos por mês (1,49). Já as causas evitáveis mataram mais de sete pessoas (7,49) mensalmente. Na prática, a pandemia que chocou pela alta mortalidade é, até o momento, cinco vezes menos fatal do que a falta de estrutura enfrentada por uma parcela da população.
Conforme dados do Ministério da Saúde, de 2011 a 2021, 38.113 crianças menores de 5 anos tiveram mortes evitáveis no Estado. Segundo Fausto Pereira dos Santos, especialista em políticas públicas, gestão e saúde, o conceito de óbitos evitáveis diz respeito a perdas que não poderiam ocorrer, uma vez que existe assistência adequada. “É quando um conjunto de situações poderia ter sido diferente. Por exemplo, na prematuridade, um pré-natal bem conduzido é capaz de evitar a morte do bebê”, explica o especialista.
O filho de Carla tinha uma doença genética rara, a leucinose, que ocorre por um erro inato do metabolismo. Um a cada 185 mil recém-nascidos recebe o diagnóstico, mas, diferente do que aconteceu com Pedro Lucca, podem seguir a vida ao cumprir com um tratamento, sobretudo, nutricional. A doença não era o grande problema para a família, e sim a falta de atendimento especializado na região, a dificuldade na transferência para a capital e um atraso de 90 dias no cumprimento de uma liminar que exigia a solução em um prazo de 48 horas.
Após inúmeras complicações, como infecções e efeitos adversos à dieta, Pedro Lucca conseguiu um leito de UTI Neonatal em BH, quando já era tarde demais para ele. A equipe assistencial assumiu que não havia mais como salvá-lo, desligou os aparelho e colocou o bebê no colo da mãe.
Da Redação Na Rua News