Grande parte dos “eletrônicos piratas” apreendidos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vem do Mercado Livre, afirmou a superintendente de fiscalização da agência, Gesiléa Fonseca Teles, em entrevista coletiva nesta segunda-feira (26). São itens que não foram homologados pelo regulador e circulam sob notas frias ou sem pagar tributos às receitas estaduais e Federal.
A Anatel já aplicou R$ 7 milhões em multas contra plataformas de comércio eletrônico pela venda de aparelhos eletrônicos piratas, como celulares, drones e notebooks. O marketplace argentino concentra o maior nível de apreensão em diligências nos seus centros de distribuição e, sozinho, responde por mais de R$ 6 milhões dentre o total de autuações.
A pirataria leva à evasão fiscal de R$ 3,5 bilhões, estima a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). A entidade patronal calcula que 5,46 milhões de smartphones não homologados foram vendidos em 2024, embora a Receita Federal tenha apreendido apenas cerca de 650 mil smartphones contrabandeados no ano passado.
Também foram multados pela venda de aparelhos irregulares Amazon, Americanas, Magazine Luiza e Shopee. As empresas já foram notificadas e estão recorrendo no âmbito dos processos administrativos.
O Mercado Livre e a Amazon contestam a competência do regulador das telecomunicações na Justiça Federal, argumentando que o comércio e a internet ultrapassam as atribuições determinadas pela lei.
A superintendente de fiscalização da Anatel, Gesiléa Fonseca Teles, afirmou, nesta segunda-feira (26), que conseguiu vitórias provisórias nos tribunais que confirmam sua competência e a responsabilidade dos marketplaces sobre vendas ilegais.
Os julgamentos dos agravos em cada caso estão agendados para junho, e uma decisão favorável ao regulador pode levar até ao bloqueio dos sites.
Há uma medida cautelar do fiscalizador, que determina multas que podem alcançar R$ 50 milhões e até a derrubada das plataformas, em caso de descumprimento de ordens para retirar anúncios de dispositivos irregulares.
Uma primeira fiscalização da Anatel, de junho, indicou que 43% dos aparelhos vendidos na plataforma seriam piratas – essa proporção só foi maior na Amazon, onde o valor observado alcançou 51,25%. A maior parte dos anúncios era de smartphones.
Em entrevista à reportagem, o diretor de relações governamentais do Mercado Livre, François Martins, disse ter recebido as recentes denúncias da Anatel com surpresa.
Segundo ele, o relatório mais recente do fiscalizador, divulgado no último mês de julho, considerou o site conforme, ao detectar um parcela de celulares ilegais de 5,8%, disse – o limite máximo é de 9%. Isso porque o site passou a obrigar que os parceiros vendam apenas aparelhos disponíveis em um catálogo, no qual constam apenas dispositivos homologados pelo regulador.
Gesiléa, contudo, afirma que o acompanhamento no âmbito da medida cautelar é constante e ainda está em aberto. O regulador ainda não aplicou punições no âmbito desse processo administrativo.
Nesta segunda-feira (26), a agência realizou nova operação contra centros de distribuição de Amazon, Mercado Livre e Shopee, em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás e Bahia. Houve apreensão já confirmada de drones e smartphones irregulares em depósitos de Mercado Livre e Shopee, e a ação prossegue até esta terça-feira (27).
De acordo com a Anatel, a fiscalização parte do monitoramento de anúncios nas plataformas de ecommerce para articular visitas aos centros de distribuição das empresas. “A principal porta de entrada dos aparelhos ilegais são os marketplaces”, disse o presidente da agência, Carlos Baigorri.
Em nota, a Amazon afirmou que não comercializa produtos irregulares e exige que todos os itens ofertados por seus parceiros de negócios possuam as licenças e homologações necessárias. “Desde 2023, mantemos comunicação e colaboração contínua com a Anatel, priorizando o interesse do consumidor brasileiro.”
Para a entidade setorial Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), suspender os sites seria uma medida extrema que afetaria milhões de pessoas. “As plataformas investem em tecnologia, em equipes especializadas e trabalham diariamente para identificar e ativamente tirar do ar anúncios irregulares com rapidez e transparência, muitas vezes impedindo que sejam até mesmo publicados.”
Os principais pontos de venda de aparelhos contrabandeados, segundo relato de fiscais estaduais, são pequenas lojas hospedadas nos marketplaces. Os comerciantes, a maioria de origem chinesa, vendem versões de produtos chineses (XiaoMi, RealMe e Oppo) sem o padrão de qualidade exigido pela norma brasileira, a preços baixos com notas fiscais frias.
O Mercado Livre afirmou que também é vítima da documentação fraudulentas. Além do prejuízo aos cofres públicos, a Anatel diz que não pode garantir a segurança dos aparelhos que não certificou contra problemas já observados como a explosão de baterias.
Em dezembro, o Ministério da Justiça também notificou Mercado Livre e Amazon por anúncios de aparelhos irregulares. “A Senacon apurou que vendedores cadastrados apenas com CPF movimentam volumes consideráveis de vendas sem emissão de nota fiscal, descumprindo a exigência de documentação fiscal prevista no Código de Defesa do Consumidor”, disse a pasta em comunicado.
Operações coordenadas da Receita Federal com as polícias civis do Mato Grosso e do Paraná indicam que uma das portas de entrada dos aparelhos contrabandeados é a fronteira com o Paraguai. Os produtos de descaminho também chegam pelos aeroportos.
No último dia 12, o deputado federal Vitor Lippi (PSDB-SP) propôs um projeto de lei para responsabilizar os marketplaces pelo calote tributário gerado pelo contrabando de aparelhos eletrônicos.
“Estes marketplaces, além de receberem uma comissão de 15% da venda destes aparelhos, muitas vezes processam o pagamento, armazenam os produtos e fazem a entrega”, disse o deputado à reportagem.