Em um relato impressionante, um homem de 33 anos, morador de Inhapim, no Vale do Rio Doce, decidiu quebrar o silêncio e revelar os detalhes de sua deportação dos Estados Unidos, onde viveu por três anos e meio. Com a identidade preservada por questões de segurança, ele compartilhou experiências marcadas por abusos, sofrimento e frustração.
“O que me levou a sair do Brasil foi a pandemia. Eu cursava faculdade na época e tinha uma empresa. A crise veio, tudo parou. Acabei decidindo ir para os Estados Unidos, na tentativa de recomeçar e oferecer uma vida melhor para meus pais e minha esposa”, contou.
Com a vida paralisada por uma crise sem precedentes, ele embarcou numa das jornadas mais perigosas para quem tenta entrar nos EUA: a travessia ilegal. O acordo com o coiote era de R$ 130 mil, mas, com juros abusivos e chantagens, a dívida chegou a R$ 180 mil. “No final, tive que pagar mais R$ 50 mil para ele devolver os documentos da minha casa”, relatou.
Depois de se estabilizar, passou a trabalhar por conta própria, mas tudo mudou após um acidente com um casal americano. “Eles estavam sob efeito de drogas e bateram na traseira do meu carro. Chamei a polícia, mas fui eu quem acabou preso, por causa da minha carteira de motorista suspensa.”
Prisão, maus-tratos e abusos
Preso por autoridades de imigração, o brasileiro descreve um cenário desumano nos centros de detenção. “Foram os piores dias da minha vida. A comida era péssima, e no auge do inverno, os aquecedores estavam desligados. Não tínhamos roupas adequadas”, contou. Durante esse período, recebeu a notícia de que sua esposa estava grávida — e ele não poderia acompanhá-la.
Tentou denunciar a situação, inclusive ao consulado brasileiro, mas afirma que não teve apoio. “Uma mulher que se apresentou como representante do consulado nos visitou. Quando relatamos tudo, ela apenas perguntou se éramos todos mineiros, porque os presos de outros estados diziam que a comida era boa.”
Segundo ele, o cardápio se resumia a “batata inglesa mal cozida no almoço, batata ralada no jantar, cozida em água, e uma farinha com essência de peixe”.
O momento mais traumático, no entanto, veio com episódios de violência. “Sofri assédio de um guarda que entrava na minha cela sempre que estava de plantão. Denunciei ao ICE e ao Itamaraty. A resposta foi que sentiam muito, mas nada podiam fazer, apenas tentar ‘mover uns pauzinhos’ para agilizar minha deportação.”
Após a denúncia, ele afirma ter sido colocado nu em uma sala por cinco dias, sem banho e com alimentação precária. “Fui obrigado a fazer minhas necessidades no chão. Disseram à minha esposa que eu estava isolado por causa de um surto de abstinência, mas era mentira. Nunca usei drogas.”
Graças ao apoio de um advogado, realizou exames toxicológicos que comprovaram a ausência de qualquer substância ilícita. “Nunca usei drogas, nem bebida alcoólica. Nunca.”
Deportação humilhante
A deportação aconteceu no dia 23 de fevereiro de 2024. “Viemos algemados, pés, mãos e cintura, sem comida, sem água. Fomos ofendidos o tempo todo, chamados de ‘lixo’, ‘verme’, ‘filho da p***’.”
O voo chegou em Belo Horizonte, no Aeroporto de Confins, às 20h30. “Foi a melhor sensação do mundo, saber que eu poderia ver meus pais novamente.”
Ele reflete sobre a experiência com franqueza: “Lá não é o que pensamos. A única coisa boa é o poder de compra. A criminalidade é maior que no Brasil, mas isso não passa na mídia. E o consulado não faz nada pelos brasileiros que estão lá.”
De volta a Inhapim, ele tenta reconstruir a vida ao lado da família. “Não quero voltar para os Estados Unidos, mas ainda penso em sair do Brasil. Lá fora a gente trabalha muito, mas consegue conquistar as coisas. Aqui é tudo mais difícil.”
Entre traumas e esperanças, ele busca recomeçar. “Meus pais estão idosos e preciso cuidar deles. Estou tentando me reorganizar para que minha esposa venha também.”
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