Período de exageros desde sua origem, o Carnaval não é somente a festa do álcool e da alegria, mas também das grandes somas de dinheiro. A potência carnavalesca do Brasil é um mercado que, só no último ano, movimentou quase R$ 8,2 bilhões apenas no setor de turismo, segundo estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O valor é mais elevado que o PIB da maioria das cidades de Minas Gerais, e cada Estado com tradição na folia tenta abocanhar uma fatia desse bolo. Para isso, a principal arma é o investimento no turismo. E, neste ano, Minas decidiu entrar na briga para competir com os maiores.
O Estado fez seu maior investimento em publicidade do Carnaval para turistas em sua história. O governo de Minas investiu cerca de R$ 6 milhões só em propaganda para outros Estados, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, dois dos locais que concentram o faturamento com a festa. Dos 5,25 milhões de foliões que encheram as ruas de Belo Horizonte no último ano, 15% eram de outras cidades, quase 66% deles de municípios do próprio Estado, de acordo com a Empresa Municipal de Turismo (Belotur). Agora, o governo estadual quer mudar esse cenário. O objetivo é nacionalizar o Carnaval de BH e aumentar em pelo menos 30% o número de turistas de fora de Minas na folia.
Por isso, quem passa pelos aeroportos e rodoviárias do Rio de Janeiro e São Paulo encontra outdoors e letreiros digitais anunciando o Carnaval belo-horizontino. Só em Congonhas (SP) e no Santos Dumont (RJ) são 20 mil inserções publicitárias, outras mais de um milhão em bancas de revista, por exemplo, e impulsionamento de posts no TikTok e outras redes sociais. Além das capitais do Sudeste, há propaganda mineira em Brasília, Salvador e Porto Alegre, pelo menos.
As imagens — geradas por inteligência artificial — exibem foliões nas ruas de BH e de cidades históricas com dizeres como “Carnaval de BH: você vem pra rua e se sente em casa”. O Estado também fez parceria com agências de viagem, como a CVC, para fomentar pacotes de turismo. Ele fornece o marketing, com os anúncios, e elas cuidam do processo de venda.
Os números de outras cidades deixam BH na sombra, conforme as estimativas dos governos estaduais. No Rio de Janeiro, a folia movimentou R$ 4,5 bilhões em receitas diversas, valor mais de seis vezes superior ao da capital mineira. Em São Paulo, foram R$ 3 bilhões. No número de turistas, Belo Horizonte fica atrás, por exemplo, de Salvador, para onde foram cerca de um milhão de pessoas, fora a população local.
Hotéis buscam turistas de outros Estados para faturar
O secretário estadual de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, argumenta que o perfil de turista que vai ao Carnaval de BH é predominantemente do interior do Estado, agora que a folia em Diamantina, Ouro Preto e outros pontos históricos diminuiu. São pessoas que, muitas vezes, ficam na casa de parentes e não fomentam a hotelaria da cidade. Em resumo, não é neles que mora o dinheiro. “Temos dez anos de Carnaval e não conseguimos nacionalizá-lo. Para elevar o tíquete médio de gasto e atrair mais recursos, temos que atrair turistas de outros Estados, porque é um folião muito preparado para estar no Carnaval, que guarda dinheiro para gastar”, diz.
Minas tem 145 unidades hoteleiras e 315 mil leitos. Na Grande BH, são 14,1 mil unidades hoteleiras. A ocupação de BH durante o Carnaval foi de cerca de 73%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Minas Gerais (ABIH-MG) — para comparação, entre novembro e dezembro, com shows e eventos muito menores que a folia, ela bateu 100%.
“O interior de Minas respondeu por 60% da demanda de hospedagem, sendo os restantes 40% vindos de outros Estados”, detalha o consultor da ABIH-MG Maarten Van Sluys. O gasto médio com hospedagem foi de quase R$ 1.300, somado a outros R$ 334 de alimentação. São gastos que fazem parte dos R$ 720 milhões movimentados na cidade.
O preço elevado das passagens aéreas no Brasil, geralmente um motivo de reclamação, neste caso pode ser um trunfo para o município. “O preço da passagem aérea alto estimula o turista a se deslocar por via terrestre. BH está próxima de grandes centros geradores de demanda, que, em um cenário de voos mais acessíveis, iriam para o Nordeste”, pondera Van Sluys.
Mesmo assim, BH ainda não está lado a lado na disputa do Carnaval, analisa a presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav), Ana Carolina Medeiros. “Belo Horizonte vem crescendo, mas ainda fica muito atrás dos Carnavais tradicionais. As pessoas que querem um Carnaval preferem não arriscar e continuam a ir para o Rio e para Salvador. Quando o Estado entende que o turismo faz a economia girar, ele investe e, aí, a disputa começa a ficar mais acirrada”, diz.
O presidente da Belotur, Gilberto Castro, diz que a cidade não deseja competir com as demais capitais do Sudeste. Ainda assim, enfatiza o que avalia ser uma superioridade da folia mineira: “Belo Horizonte não trabalha para seguir o Carnaval do Rio e de São Paulo, porque o nosso é melhor que esses dois em muitos aspectos, na questão da segurança, da mobilidade, da diversidade dos blocos. BH não busca ser igual ou maior”.
Minas não é a única que tenta atrair turistas de outras partes do Brasil. Em totens digitais e bancas de revista espalhados por BH, é possível ver propagandas do Bloco Coruja, comandado por Ivete Sangalo em Salvador.
BH copiou Carnaval de cidades históricas, diz porta-voz de Diamantina
O Carnaval de BH como é conhecido hoje foi retomado em meados da última década. Antes disso, Diamantina e Ouro Preto eram os principais sinônimos de folia no Estado. Agora, as cidades históricas readaptam seu Carnaval à nova realidade, esvaziada devido ao boom da festa em Belo Horizonte.
Em Diamantina, a diminuição da festa é motivo de comemoração, segundo o diretor de Cultura da cidade, Alberis Mafra. Ele afirma que os altos gastos com estrutura e contratação de shows para movimentar o Carnaval não compensam financeiramente. Parte dos ônibus que chegavam à cidade com turistas levavam a própria comida e bebidas, por exemplo, ignorando o comércio local.
“Quando o Carnaval de BH começou a crescer, a estratégia de Diamantina vinha sendo competir com aumento de estrutura e levar ao palco grandes nomes, pagando grandes cachês, imaginando que isso atrairia o público para competir com BH. Mas isso se mostrou ineficaz, porque grandes shows e as festas de camarote estão aí o ano inteiro. O nosso novo modelo é para nos tirar do cenário de competição e retornar àquilo que BH copiou”, diz.
O Carnaval de Diamantina foca em shows menores e blocos de rua, desta vez fora do centro histórico da cidade, na tentativa de preservar o patrimônio, segundo a prefeitura. Em 2024, os principais eventos serão em um espaço recém-construído, o novo Largo Dom João. A cidade espera receber 30 mil foliões por dia, após ter investido R$ 1,5 milhão na festa. Ouro Preto investirá um valor similar e espera receber cerca de 60 mil pessoas — há dez anos, eram 70 mil, de acordo com a prefeitura.
Outras duas frentes da campanha do governo de Minas chamam turistas para as cidades históricas e para os destinos sem folia, conhecidos pela tranquilidade. “O surgimento do Carnaval de BH fez quase uma quebradeira nos municípios”, pontua o secretário estadual de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira. Ele avalia que BH está saturada de turistas do interior de Minas e alcançou seu limite nessa frente, restando agora atrair turistas de outros Estados para os hotéis da capital.
Da Redação Na Rua News