O ano era 1993.Um jovem estilista fazia seu desfile de formatura na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Entre os convidados, estavam presentes os já consagrados designers Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço, a jornalista Erika Palomino, o editor de moda Paulo Martinez e a consultora de moda Flavia Lafer. O motivo dessa plateia bem frequentada tinha nome e sobrenome: Alexandre Herchcovitch, que, mesmo antes de completar o curso, já era uma figura conhecida na noite paulistana e na moda, principalmente por vestir personalidades como o então host Johnny Luxo e a drag queen Márcia Pantera (que abriu a apresentação, usando uma camisola e touca de freira com chifres). De lá para cá, mais de três décadas se passaram, e é este o marco que o Museu Judaico, em São Paulo, celebra com a exposição Alexandre Herchcovitch: 30 Anos Além da Moda, uma retrospectiva de seu trabalho. Com inauguração no dia 20 deste mês, a mostra reúne uma seleção de roupas, sapatos, bolsas e chapéus do arquivo de 2.000 peças que o paulistano mantém, além de registros em vídeo e fotografia de desfiles. Com curadoria de Maurício Ianês, colaborador de longa data de Herchcovitch, a exibição resgata preciosidades como um vestido criado por ele quando ainda era criança, uma peça feita para sua mãe, dona Regina.
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Alexandre Herchcovitch/ Foto: Divulgação
A exposição é a primeira de Alexandre. “Esse processo foi diferente. Participei na medida que foram me pedindo. Quando as obras já estavam selecionadas, mandei uma lista do que eu achava estar faltando, algumas coisas entraram, outras não. Desta vez, é o olhar de outras pessoas sobre o meu trabalho”, diz o estilista. Revisitar o próprio acervo é algo que ele faz com frequência, especialmente desde 2022, quando retomou sua etiqueta homônima após um hiato de quase sete anos. Em seu desfile mais recente, em dezembro passado, recriou dois macacões, um com uma cruz originalmente lançado em 1992, e outro com recortes no torso, de 1997. “É um grande exercício resgatar peças e repensá-las com a maturidade e o conhecimento sobre costura que tenho hoje. Vejo criações antigas e percebo que não esgotei as ideias, que ainda tenho muito a explorar. Gosto de assumir o que fiz no passado, faz parte da história da construção de produtos”, diz. O que mais lhe dá orgulho ao olhar o caminho que trilhou é a consistência de ter se mantido fiel àquilo que acredita. “Não estou nem perto de parar, ainda tenho muita coisa para fazer. E se você me pedir para eleger a parte do processo que eu mais gosto, é a construção das roupas, isso nunca me cansa.” Em homenagem a esse ímpeto, Alexandre rememora a seguir algumas das peças e coleções que mais marcaram a sua trajetória e que são destaques da exposição.
Museu Judaico: Rua Martinho Prado, 128, São Paulo; @museujudaicosp. Até 08 de setembro
O Templo Beth El, que abriga o Museu Judaico de São Paulo, no centro da cidade. Foto: Fernando Siqueira/ Divulgação
VERÃO 2012/13 “Desde minha adolescência, sou fã do Boy George. Ele foi o primeiro grande artista que notei, sempre soube que faria uma coleção inspirada nele. Quando ele surgiu, no começo dos anos 1980, era um tempo de uma liberdade de se vestir, de usar roupas que supostamente eram de outro gênero, acho que foi isso o que me atraiu. O desfile, ao som de Culture Club, foi inteiramente construído em cima de silhuetas de camisa e camiseta e com materiais ultranobres, como cetim duchese de seda pura. Desenvolvi os chapéus com Stephen Jones, que era o chapeleiro do Boy George. Foi a minha forma de homenagear alguém que sempre me inspirou. Obviamente ele nunca soube que fiz a coleção, mas o chapeleiro dele soube, então já está ótimo.”
INVERNO 2016 “Esse foi o último desfile que fiz antes de deixar a marca. O convite era um Bilhete Único carregado com duas passagens, a ideia era que os convidados fossem e voltassem de metrô, já que a locação era a Prefeitura de São Paulo, que tem uma estação muito perto. A coleção foi a realização de uma vontade antiga. Eu peguei uma inspiração recorrente minha, que é a estética S&M, mas fiz as peças com materiais luxuosos e técnicas feitas à mão. Ao invés de couro, vinil e látex, usei cetim de seda pura, cashmere, lã de angorá.”
VERÃO 2003/04 “Foi a maior polêmica quando falei no ateliê que queria fazer uma coleção inspirada em festa junina. Acharam que eu estava louco, que ficaria com cara de fantasia, que não venderia. E o brasileiro ainda por cima tem um pouco de preconceito com o xadrez, justamente porque a padronagem lembra essa celebração. Mas fizemos, e com materiais muito pertinentes a esse universo, como cambraia de algodão e sisal. Queria tudo muito opaco, com cara de natural. Fiz um monte de amarrações, nós na região do busto, como às vezes as pessoas fazem com as roupas aqui no Brasil porque é muito quente. Hoje eu considero essa uma das minhas coleções mais bem-sucedidas em termos de desenvolvimento de ideias e de desafio.”
INVERNO 2002 “O tecido desse vestido é um gobelin, uma tapeçaria, só que o desenho é de uma floresta tropical brasileira, com animais da nossa fauna. Foi um twist entre essa textura pesada e o frescor da padronagem. Os forros dessa coleção eram muito importantes, escapavam embaixo da roupa. O desfile aconteceu na Bienal, durante o São Paulo Fashion Week, fizemos uns tablados e, conforme as modelos subiam e desciam, essa parte supostamente “escondida” da roupa aparecia mais. Dessa vez, não explorei um tema específico, e sim esses exercícios de forma e costura.”
VERÃO 2002/03 “O universo do surfe, da praia e da piscina é inspiração recorrente para mim. Foi o ponto de partida desse desfile, e do último que eu fiz, no ano passado, duas décadas depois. Gosto de aplicar essas referências no universo do meu prêt-à-porter de luxo. Na coleção de 2003, misturei isso com memórias da minha infância, de brinquedos que eu tinha. Eram roupas coloridas e com formas um pouco infantis. A maquiagem era como se fosse o protetor solar da época, uma pasta viscosa que colava no rosto.”
Lian Lucas é jornalista com mais de 15 anos de experiência na comunicação brasileira e internacional. Atualmente, atua como correspondente em Portugal, onde é registrado na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) sob o número JE-254.Natural de Governador Valadares (MG), Lian iniciou sua trajetória na imprensa local e passou por emissoras de rádio e TV afiliadas à TV Brasil em São Paulo. Também integrou o maior grupo de comunicação do Mato Grosso, onde apresentou programas jornalísticos na Rádio Centro América FM e na TV Centro América, afiliada à TV Globo.Com passagens marcantes por veículos como G1, Primeira Página e TV Gazeta (ES), também atuou na Inter TV, afiliada da Globo em sua cidade natal. Desde 2023, vive em Portugal, onde trabalha na imprensa escrita e atua como correspondente internacional da SNC -TV NEWS-, levando notícias da Europa para o público brasileiro.